Introdução
Ambicionando uma educação contemporânea, a Constituição Federal promulgada em 1988, possibilitou uma nova lei para a educação nacional. Em 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 (LDB/96), incluindo a faixa de 0 a 6 anos no capítulo da educação básica traz a ideia do não espontaneísmo nas instituições infantis, bem como do não assistencialismo, e ainda questiona as filosofias educacionais voltadas unicamente para o aspecto da construção cognitiva no desenvolvimento infantil. A LDB/96 aponta a necessidade da formação específica do profissional e critica a falta de habilitação (MORÉ, 2006; 12asem.). O que se espera do professor contemporâneo é que ele seja capaz de identificar, analisar e desafiar os problemas de aprendizagem. O novo paradigma da educação vê neste professor investigador e reflexivo, uma possibilidade de contraposição ao ensino exclutório (MORÉ, 2006; 13asem.).
Na busca pela qualidade, a educação infantil vem sofrendo grande influência das teorias de Piaget, Emilia Ferreiro e mais recentemente, Vygotsky. É diante da questão da qualidade que surge o Projeto Político Pedagógico (PPP), cuja essência está atrelada à ideia de intencionalidade e sistematicidade do trabalho desenvolvido dentro da instituição pré-escolar, desde que garantidas às especificidades da faixa etária. Segundo o referencial curricular nacional, o PPP é uma ferramenta de sistematização e transformação da educação: "representa um avanço na educação infantil ao buscar soluções educativas para superação, de um lado, da tradição assistencialista das creches e, de outro, da marca da antecipação da escolaridade da pré-escola".
(Brasil - RCNEI. V-1), um documento que nas mãos de uma gestão democrática possibilita a descentralização da educação e a integração das Diretrizes Básicas da Educação, estabelecidas na LDB 9394/96 com as necessidades da comunidade, possibilitando a transformação do "status quo". "Para resgatar o lugar do planejamento na prática escolar há um elemento fulcral, que é o professor se colocar como sujeito do processo educativo." (VASCONCELLOS, 2005). Consciente deste desafio, a Universidade de Caxias do Sul propôs aos alunos da turma de Pedagogia um estágio dedicado à educação infantil. O objetivo central foi conhecer as peculiaridades da sala de aula, tendo como foco principal a primeira dimensão do planejamento - a análise da realidade - para esboçar uma proposta de atuação. Assim sendo, realizamos um estágio numa escola de educação infantil, no município de Canela/RS, e elaboramos um trabalho cujos objetivos, método, análise de dados e conclusões seguem descritos abaixo.
Objetivos
O objetivo principal foi esboçar um projeto didático interdisciplinar embasado na leitura da realidade e descrito em forma de artigo. Os secundários foram proporcionar ao estagiário o contato com a realidade em sala de aula, constatando possíveis distonias entre o proposto nas diretrizes e a ação docente, além de proporcionar a socialização das vivências durante o estágio.
Método
Elaborou-se um estudo observacional no Maternal I, da Escola Municipal de Educação Infantil Profª Alice Wortmann - Canela/RS - Brasil. De uma turma de 17 crianças, foram observadas em todas as 12 que estiveram presentes no período do estágio, as seguintes variáveis: idade em meses, sexo, renda domiciliar per capita declarada em reais, escolaridade dos pais (número de séries escolares completadas pelo pai e completadas pela mãe) e avaliação do desenvolvimento psicomotor (linguagem, motor-adaptativo, motor e psicossocial), utilizando-se marcos de desenvolvimento da tabela de Denver, citado por CARLI em "Desenvolvimento Físico da Criança". Para cada área do desenvolvimento, as crianças que atingiram 80% ou mais dos marcos foram consideradas com desenvolvimento pleno, enquanto que as que atingiram menos de 80%, foram consideradas com desenvolvimento parcial.
Além das variáveis relacionadas com as características pessoais e socioeconômicas das crianças, foram observadas características da escola, tais como: estratégias para mobilizar o estudante, existência de planejamento, relação equipe/aluno/professor, organização e intenção nas rotinas estabelecidas, adequação dos recursos.
Resultados e discussão
A distribuição por sexo e idade das 12 crianças era semelhante, sendo 7 (58,3%) do sexo feminino, com idade média de 50 meses e 5 (41,7%) do sexo masculino, com idade média de 51 meses. Elas estão na fase egocêntrica. Manifestam natural dificuldade em lidar com a frustração e competem pela atenção do professor, gerando conflitos no grupo. Sendo afetuoso e claro na colocação dos limites, o educador procura transmitir ao educando a segurança necessária para que desenvolvam a autoconfiança e o desapego. As crianças apresentam curiosidade sobre os fenômenos naturais, como observou-se na situação em que um dos colegas matou uma aranha: "Olha o cadáver da aranha". "Olha a cabeça dela". "E as pernas...". Ou diante da retirada da colmeia da pracinha: "Como eles matam as vespas?". "Precisa matar?".
A média de renda domiciliar per capita declarada foi de R$ 307,43, portanto, inferior a um salário mínimo. Nenhum dos pais tinha mais de 13 séries escolares completadas: 18,2% das mães e 18,2% dos pais tinham 4 séries completadas, 54,4% das mães e 36,4% dos pais tinham 9 séries completadas, 27,3% das mães e 45,5% dos pais tinham as 13 séries completadas. Avaliadas por estas duas características, classificamos o nível socioeconômico do grupo como sendo de classe de baixa renda e média escolaridade, o que, em tese, não seria o ideal para o desenvolvimento pleno da inteligência (RODRIGUES;1976).
No que se refere ao desenvolvimento psicossocial descrito por Erik Erikson (Fundamentos da Práxis Pedagógica V.1 cap. VI), as crianças manifestam, predominantemente, características de "autonomia versus vergonha e dúvida", que, teoricamente, já poderiam estar superando. Apresentam ainda traços sutis de "iniciativa versus culpa", previstos para a faixa etária.
Observamos diferença no desenvolvimento de meninas e meninos, sendo que as meninas apresentam melhor desempenho nas diferentes áreas de desenvolvimento cognitivo e motor, e intuímos que essas diferenças devam ser consideradas pelo educador na projeção de atividades intencionais. O resultado da avaliação do desenvolvimento psicomotor está sumarizado nos gráficos abaixo, nos quais é possível constatar que o desenvolvimento motor adaptativo apresentou a pior performance dentre os analisados.
Segundo Piaget, a criança entre 2 a 7 anos está no segundo estágio de desenvolvimento cognitivo, estágio pré-operatório, no qual a manifestação da linguagem possibilitará grandes modificações intelectuais, sociais e cognitivas. Elaborou-se o "Projeto Didático Interdisciplinar" priorizando esta área do desenvolvimento, considerando que o desenvolvimento motor fino-adaptativo compreende ações de ajustamento para atividades mais complexas, beneficiando-se de experiências anteriores. Sabe-se ainda que as habilidades motoras mais complexas na criança avançam por meio da coordenação entre sensação, percepção, elaboração, planejamento e execução, como necessidade de resposta diante dos objetos e situações (MAGGI, 2006-6a e 7a sem.). No projeto didático, foi proposta a ampliação das atividades lúdicas, envolvendo: o desenvolvimento da linguagem, a interatividade social e ambiental, bem como a construção do espaço temporal.
A promoção das habilidades motoras-adaptativas será realizada em atividades que possibilitem ao sujeito construir seu conhecimento a partir da interação com o grupo e com o meio ambiental, identificando seu corpo e o corpo do colega, reconhecendo-se como indivíduo, colocando-se no lugar do outro e a partir da rotina estabelecida num espaço e tempo definidos.
O projeto está embasado na metodologia dialética de construção do conhecimento em sala de aula defendida por Celso Vasconcellos, que prevê a estrutura da aula em três momentos básicos: mobilização, construção do conhecimento e expressão da síntese do conhecimento (VASCONCELLOS2, 2005).
O projeto será considerado efetivo se no acompanhamento da evolução do indivíduo e/ou do grupo observar-se o desenvolvimento e apropriação dos conceitos e valores trabalhados. O resultado desta visão deverá possibilitar a análise evolutiva do indivíduo e do grupo, propiciando a organização de ações metodológicas futuras.
O estágio orientado pela Universidade de Caxias do Sul oportunizou-nos rever e vivenciar as teorias estudadas, permitindo-nos mergulhar na realidade da educação infantil com um olhar investigativo e repensar a ação pedagógica a partir do projeto didático.
A escola visitada funciona, apesar de estar inserida numa política nacional adoecida, que ainda considera o educador como sendo o responsável pelas condições da educação nacional. Mesmo em escolas cuja ação é mediada pela "filosofia histórico-crítica da construção do conhecimento", elaborar e executar um projeto didático que contemple os propostos teóricos exige a determinação encontrada somente naquele que, preservando o ser ontológico, permanece determinado a desafiar o sistema. Durante nosso estágio observamos educadores driblando a falta de estrutura física da instituição, a fim de proporcionar condições adequadas à construção do conhecimento. Será possível pensar a internalização do planejamento pelo educador aviltado, sem antes resgatá-lo de sua alienação? Somente assim o professor será sujeito do processo educativo.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional Para Educação Infantil: vol. 1 Brasília: MEC/SEF, 1998. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf. (acessado em 12/9/2008).
CARLI, Máira Ester de; Desenvolvimento Físico da Criança. Caxias do Sul, RS: Educs, 2006
MAGGI, Alice; VALENTINI, Carla Beatris; SILVA, Marinilson Barbosa da. Fundamentos da Práxis Pedagógica. v.1- Psicologia. Caxias do Sul, RS: Educs, 2006.
MORÉ, Marisa Mathilde; STECANELA, Nilda; ERBS, Rita Tatiana C. Fundamentos da Práxis Pedagógica v.2. Caxias do Sul, RS: Educs, 2006.
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