Se ele tem dificuldades para ler e escrever e não consegue copiar ou memorizar o que você acabou de falar, talvez seja. Mas, com alguns cuidados simples, você pode ajudá-lo a se sair tão bem como os colegas.
Marcelo é um menino que demora para copiar as palavras do quadro-negro, troca letras na hora de escrever, não memoriza informações que acabou de ouvir e, nas redações, apresenta um vocabulário pobre. Vira e mexe, ele pára de prestar atenção na aula e fica conversando com os colegas. Seu desempenho nas avaliações não é nada bom e os cadernos e trabalhos estão sempre desorganizados. É o típico aluno que faz qualquer professor pensar: "Esse vai me dar trabalho!"
O comportamento de Marcelo, no entanto, nada tem a ver com preguiça ou relaxo. Ele reflete alguns sintomas de um distúrbio que o acompanha desde o nascimento: a dislexia, transtorno de aprendizagem hereditário e sem cura que pode ser melhorado em até 80% desde que diagnosticado e tratado de forma adequada.
A história desse garoto é fictícia, mas convida à reflexão: para quantos "Marcelos" você já lecionou sem saber que eram disléxicos? Podem ter sido muitos. De acordo com as estatísticas disponíveis, de 10% a 15% da população mundial sofre de dislexia. Entre três e quatro estudantes em uma classe de 30. No Brasil, dados da Associação Brasileira de Dislexia (ABD) indicam que, em média, 40% dos casos diagnosticados na faixa mais crítica, entre 10 e 12 anos, são de grau severo, 40% são de grau moderado e 20% de grau leve.
Avaliação é essencial para um tratamento adequado
A situação dos disléxicos se torna mais complexa porque muitas pessoas, inclusive professores, desconhecem o distúrbio. O cuidado na avaliação é prioridade, uma vez que a existência de uma ou duas características não significa que a criança é disléxica (veja quadro abaixo). "A combinação de características e a quantidade variam. Em termos de dislexia, a inconstância é a maior constância", alerta a fonoaudióloga e psicopedagoga Maria Angela Nico, diretora da ABD.
O diagnóstico preciso só pode ser feito após a alfabetização, entre a 1ª e a 2ª série. "Já vi pais preocupados com o que chamo de falsa dislexia, quando, por exemplo, a escola alfabetiza precocemente, e a garotada não acompanha porque não tem maturidade neurológica suficiente", conta Maria Angela.
No caso em que as suspeitas procedem, o primeiro passo é excluir as possibilidades de outros distúrbios. "Há problemas de origem neurológica, sensoriais, emocionais ou mesmo dificuldades de aprendizagem por falta de ensino adequado ou de um meio sociocultural satisfatório", ressalta a psicopedagoga Sílvia do Amaral, diretora do Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento (CAD), em São Paulo.
Entidades como a ABD e o CAD fornecem laudos clínicos após a realização de uma bateria de exames. Esses laudos são aceitos, inclusive, para que os candidatos tenham condições especiais (sala e tempo diferenciados) para realizar provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou vestibulares como o da Fuvest.
Cada criança requer uma estratégia diferente
Os professores que conseguem suspeitar dos sintomas e sugerir um encaminhamento clínico para a criança precisam ir além. O problema pede que eles se dediquem muito ao aluno em sala de aula ao longo do tratamento que envolve em partes iguais a escola, a família e profissionais de saúde.
Estudantes comprovadamente disléxicos não conseguem decorar coisas nem ler ou escrever textos longos. Mas têm inteligência acima da média, apesar de aparentar o contrário. Os professores descobrem isso assim que começam a olhar para eles com mais atenção. "Não podemos ter preconceito. O aluno tem que saber que é disléxico para podermos utilizar os instrumentos necessários para ajudá-lo", afirma a psicóloga Maria Mônica Bianchini, diretora da ABD.
Cabe ao professor recorrer a diversas atividades e técnicas de ensino e descobrir qual delas melhor se adapta a cada estudante e a cada situação (veja quadro abaixo). A professora Jarbaneide Aparecida Ferreira Gonçalez, do Colégio Nossa Senhora Menina, em São Paulo, já colocou um aluno disléxico na primeira carteira para poder dar atenção especial a ele. Isso incluía repetir só para a criança o que disse para a classe, ler novamente um trecho do livro só para ela e corrigir atividades ao lado dela.
Rosângela Nogueira Guedes, supervisora de 2ª e 5ª séries do Colégio Rio Branco, em Cotia (SP), tem uma recomendação simples e valiosa: dar um tempo maior para que o estudante disléxico faça o mesmo trabalho que os demais. Outra alternativa, já testada e aprovada por Sílvia do Amaral, é substituir avaliações e outros trabalhos escritos por orais. "Um paciente meu teve a nota melhorada de 4,5 para 7,5 com essa mudança."
A tecnologia também ajuda muito. É possível utilizar programas oferecidos no mercado para montar uma metodologia de apoio ao aprendizado. "O disléxico é uma pessoa que tem dificuldades no processamento das informações. E o computador é um processador, um facilitador entre a criança e a linguagem", diz Sílvia.
Auto-estima elevada ajuda no tratamento
Pouco adianta utilizar diferentes recursos pedagógicos se o estudante está com a auto-estima abalada. Muitas vezes ele já passou por vários traumas quando o diagnóstico finalmente é feito. A primeira tarefa do professor, portanto, é resgatar a autoconfiança do aluno. "O segredo está em descobrir as habilidades dele para que possa acreditar em si mesmo ao se destacar em outras áreas, como as artes e os esportes", explica a orientadora Rosângela.
Não é fácil encontrar a medida certa no trato com o disléxico. O professor deve ajudar, mas não superproteger. O ideal é trabalhar a autonomia da criança para que ela não comece a achar que é dependente em tudo. Rosângela esclarece: "O professor pode, por exemplo, ler a pergunta em voz alta e certificar-se de que a proposta foi entendida. Mas não pode interferir no raciocínio dela dizendo o que é para fazer". Quando o professor consegue acolher esse estudante e respeitá-lo em suas diferenças, sem cair na armadilha do sentimento de pena, proporciona a ele um grande benefício. Mais do que isso, oferece também a toda a classe uma rica experiência de convivência com a diversidade.
SINAIS DE ALERTA
Na pré-escola
Não é possível avaliar com segurança se o aluno é disléxico antes da 1ª série do Ensino Fundamental. Mas, se ele apresenta alguns dos sintomas abaixo, deve ser observado com atenção para um possível futuro diagnóstico.
Imaturidade no trato com outras crianças.
Atraso no desenvolvimento visual, da fala e da linguagem.
Dificuldade em aprender rimas e canções.
Fraco desenvolvimento da coordenação motora.
Dificuldade em montar quebra-cabeças.
Falta de interesse por livros.
A partir da 1ª série
Se a criança apresenta alguns dos problemas abaixo, é necessário avaliá-la em conjunto com outros professores e o coordenador pedagógico e, se necessário, recomendar aos pais o encaminhamento a um especialista.
Dificuldades visuais e de coordenação motora.
Pobreza no conhecimento de rimas e de vocabulário.
Dificuldade na leitura e na escrita e na cópia do livro ou do quadro-negro.
Dificuldade em manusear mapas e dicionários.
Confusão entre direita e esquerda.
Dificuldade em Matemática, desenho geométrico e em decorar seqüências.
Desatenção, dispersão, desorganização geral e atrasos na entrega de tarefas.
Problemas de conduta retração, timidez excessiva e depressão.
Fonte: Associação Brasileira de Dislexia (ABD)
Como facilitar o dia-a-dia do disléxico
São várias as alternativas disponíveis para que o estudante com dislexia possa acompanhar a turma e demonstrar o que aprendeu sem estresse.
Dar a ele um resumo do programa a ser desenvolvido, se possível já no ato da matrícula.
Expor, no início do ano, qual a matéria a ser dada e os métodos de avaliação que serão utilizados.
Iniciar cada novo conteúdo com um esquema mostrando o que será apresentado no período. No final, resumir os pontos-chave.
Usar vários recursos de apoio para apresentar a lição à classe, além do quadro-negro: projetor de slides, retroprojetor, vídeos e outros recursos multimídia.
Introduzir vocabulário novo ou técnico de forma contextualizada.
Evitar dar instruções orais e escritas ao mesmo tempo.
Avisar com antecedência quando houver trabalhos que envolvam leitura para que o aluno encontre outras formas de realizá-lo, como gravar o livro, por exemplo.
Propor trabalhos em grupo e atividades fora da sala de aula, como dramatizações, entrevistas e pesquisas de campo sempre que possível.
Fazer revisões com tempo disponível para responder às possíveis dúvidas.
Autorizar o uso de tabuadas, calculadoras simples, rascunhos e dicionários durante as atividades e avaliações.
Aumentar o limite de tempo para atividades escritas.
Ler enunciados em voz alta e verificar se todos entenderam o que está sendo pedido.
Fonte: Nem Sempre É o Que Parece, Ed. Campus.
Marcelo é um menino que demora para copiar as palavras do quadro-negro, troca letras na hora de escrever, não memoriza informações que acabou de ouvir e, nas redações, apresenta um vocabulário pobre. Vira e mexe, ele pára de prestar atenção na aula e fica conversando com os colegas. Seu desempenho nas avaliações não é nada bom e os cadernos e trabalhos estão sempre desorganizados. É o típico aluno que faz qualquer professor pensar: "Esse vai me dar trabalho!"
O comportamento de Marcelo, no entanto, nada tem a ver com preguiça ou relaxo. Ele reflete alguns sintomas de um distúrbio que o acompanha desde o nascimento: a dislexia, transtorno de aprendizagem hereditário e sem cura que pode ser melhorado em até 80% desde que diagnosticado e tratado de forma adequada.
A história desse garoto é fictícia, mas convida à reflexão: para quantos "Marcelos" você já lecionou sem saber que eram disléxicos? Podem ter sido muitos. De acordo com as estatísticas disponíveis, de 10% a 15% da população mundial sofre de dislexia. Entre três e quatro estudantes em uma classe de 30. No Brasil, dados da Associação Brasileira de Dislexia (ABD) indicam que, em média, 40% dos casos diagnosticados na faixa mais crítica, entre 10 e 12 anos, são de grau severo, 40% são de grau moderado e 20% de grau leve.
Avaliação é essencial para um tratamento adequado
A situação dos disléxicos se torna mais complexa porque muitas pessoas, inclusive professores, desconhecem o distúrbio. O cuidado na avaliação é prioridade, uma vez que a existência de uma ou duas características não significa que a criança é disléxica (veja quadro abaixo). "A combinação de características e a quantidade variam. Em termos de dislexia, a inconstância é a maior constância", alerta a fonoaudióloga e psicopedagoga Maria Angela Nico, diretora da ABD.
O diagnóstico preciso só pode ser feito após a alfabetização, entre a 1ª e a 2ª série. "Já vi pais preocupados com o que chamo de falsa dislexia, quando, por exemplo, a escola alfabetiza precocemente, e a garotada não acompanha porque não tem maturidade neurológica suficiente", conta Maria Angela.
No caso em que as suspeitas procedem, o primeiro passo é excluir as possibilidades de outros distúrbios. "Há problemas de origem neurológica, sensoriais, emocionais ou mesmo dificuldades de aprendizagem por falta de ensino adequado ou de um meio sociocultural satisfatório", ressalta a psicopedagoga Sílvia do Amaral, diretora do Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento (CAD), em São Paulo.
Entidades como a ABD e o CAD fornecem laudos clínicos após a realização de uma bateria de exames. Esses laudos são aceitos, inclusive, para que os candidatos tenham condições especiais (sala e tempo diferenciados) para realizar provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou vestibulares como o da Fuvest.
Cada criança requer uma estratégia diferente
Os professores que conseguem suspeitar dos sintomas e sugerir um encaminhamento clínico para a criança precisam ir além. O problema pede que eles se dediquem muito ao aluno em sala de aula ao longo do tratamento que envolve em partes iguais a escola, a família e profissionais de saúde.
Estudantes comprovadamente disléxicos não conseguem decorar coisas nem ler ou escrever textos longos. Mas têm inteligência acima da média, apesar de aparentar o contrário. Os professores descobrem isso assim que começam a olhar para eles com mais atenção. "Não podemos ter preconceito. O aluno tem que saber que é disléxico para podermos utilizar os instrumentos necessários para ajudá-lo", afirma a psicóloga Maria Mônica Bianchini, diretora da ABD.
Cabe ao professor recorrer a diversas atividades e técnicas de ensino e descobrir qual delas melhor se adapta a cada estudante e a cada situação (veja quadro abaixo). A professora Jarbaneide Aparecida Ferreira Gonçalez, do Colégio Nossa Senhora Menina, em São Paulo, já colocou um aluno disléxico na primeira carteira para poder dar atenção especial a ele. Isso incluía repetir só para a criança o que disse para a classe, ler novamente um trecho do livro só para ela e corrigir atividades ao lado dela.
Rosângela Nogueira Guedes, supervisora de 2ª e 5ª séries do Colégio Rio Branco, em Cotia (SP), tem uma recomendação simples e valiosa: dar um tempo maior para que o estudante disléxico faça o mesmo trabalho que os demais. Outra alternativa, já testada e aprovada por Sílvia do Amaral, é substituir avaliações e outros trabalhos escritos por orais. "Um paciente meu teve a nota melhorada de 4,5 para 7,5 com essa mudança."
A tecnologia também ajuda muito. É possível utilizar programas oferecidos no mercado para montar uma metodologia de apoio ao aprendizado. "O disléxico é uma pessoa que tem dificuldades no processamento das informações. E o computador é um processador, um facilitador entre a criança e a linguagem", diz Sílvia.
Auto-estima elevada ajuda no tratamento
Pouco adianta utilizar diferentes recursos pedagógicos se o estudante está com a auto-estima abalada. Muitas vezes ele já passou por vários traumas quando o diagnóstico finalmente é feito. A primeira tarefa do professor, portanto, é resgatar a autoconfiança do aluno. "O segredo está em descobrir as habilidades dele para que possa acreditar em si mesmo ao se destacar em outras áreas, como as artes e os esportes", explica a orientadora Rosângela.
Não é fácil encontrar a medida certa no trato com o disléxico. O professor deve ajudar, mas não superproteger. O ideal é trabalhar a autonomia da criança para que ela não comece a achar que é dependente em tudo. Rosângela esclarece: "O professor pode, por exemplo, ler a pergunta em voz alta e certificar-se de que a proposta foi entendida. Mas não pode interferir no raciocínio dela dizendo o que é para fazer". Quando o professor consegue acolher esse estudante e respeitá-lo em suas diferenças, sem cair na armadilha do sentimento de pena, proporciona a ele um grande benefício. Mais do que isso, oferece também a toda a classe uma rica experiência de convivência com a diversidade.
SINAIS DE ALERTA
Na pré-escola
Não é possível avaliar com segurança se o aluno é disléxico antes da 1ª série do Ensino Fundamental. Mas, se ele apresenta alguns dos sintomas abaixo, deve ser observado com atenção para um possível futuro diagnóstico.
Imaturidade no trato com outras crianças.
Atraso no desenvolvimento visual, da fala e da linguagem.
Dificuldade em aprender rimas e canções.
Fraco desenvolvimento da coordenação motora.
Dificuldade em montar quebra-cabeças.
Falta de interesse por livros.
A partir da 1ª série
Se a criança apresenta alguns dos problemas abaixo, é necessário avaliá-la em conjunto com outros professores e o coordenador pedagógico e, se necessário, recomendar aos pais o encaminhamento a um especialista.
Dificuldades visuais e de coordenação motora.
Pobreza no conhecimento de rimas e de vocabulário.
Dificuldade na leitura e na escrita e na cópia do livro ou do quadro-negro.
Dificuldade em manusear mapas e dicionários.
Confusão entre direita e esquerda.
Dificuldade em Matemática, desenho geométrico e em decorar seqüências.
Desatenção, dispersão, desorganização geral e atrasos na entrega de tarefas.
Problemas de conduta retração, timidez excessiva e depressão.
Fonte: Associação Brasileira de Dislexia (ABD)
Como facilitar o dia-a-dia do disléxico
São várias as alternativas disponíveis para que o estudante com dislexia possa acompanhar a turma e demonstrar o que aprendeu sem estresse.
Dar a ele um resumo do programa a ser desenvolvido, se possível já no ato da matrícula.
Expor, no início do ano, qual a matéria a ser dada e os métodos de avaliação que serão utilizados.
Iniciar cada novo conteúdo com um esquema mostrando o que será apresentado no período. No final, resumir os pontos-chave.
Usar vários recursos de apoio para apresentar a lição à classe, além do quadro-negro: projetor de slides, retroprojetor, vídeos e outros recursos multimídia.
Introduzir vocabulário novo ou técnico de forma contextualizada.
Evitar dar instruções orais e escritas ao mesmo tempo.
Avisar com antecedência quando houver trabalhos que envolvam leitura para que o aluno encontre outras formas de realizá-lo, como gravar o livro, por exemplo.
Propor trabalhos em grupo e atividades fora da sala de aula, como dramatizações, entrevistas e pesquisas de campo sempre que possível.
Fazer revisões com tempo disponível para responder às possíveis dúvidas.
Autorizar o uso de tabuadas, calculadoras simples, rascunhos e dicionários durante as atividades e avaliações.
Aumentar o limite de tempo para atividades escritas.
Ler enunciados em voz alta e verificar se todos entenderam o que está sendo pedido.
Fonte: Nem Sempre É o Que Parece, Ed. Campus.
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